quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A primeira máscara




A primeira máscara que meu rosto mascarou
Personagem meio clássica, que no Egito abanou
Os cabelos da rainha que de ouro se vestia,
Um ventilador falante minha máscara sorria!
As segundas, as terceiras que vieram logo após
Foram logo se interpondo, se amarrando em longos nós.
Mas a idade que crescia só tendia a retardar,
Cada máscara caía, e a lembrança que surtia era de pouco pesar.
Seja como for que fosse, a primeira estava lá,
E bem firme resistia em meu rosto, sem rasgar.
Era só questão de tempo para o espaço mudar
E que as oportunidades logo fossem me alcançar...
Logo as velhas, as antigas, belas máscaras caídas
Em meu rosto reegueram fortalezas esquecidas
Permitindo a adesão de uma arte enriquecida
Personagens, todas novas, de índole enrustida:
Um barão de pernas tortas, um demônio pecador
Um garoto de más notas, Jesus, nosso Senhor
Um bandido assassino, um sem-teto encantador
Um palhaço dançarino, Machado de Assis, o escritor
Um pai de terno fino, um caipira caçador
Um enfeite natalino, um cometa cantor...
Como as tantas que se unem a seu colecionador
São as máscaras que punem o passado sofredor
E transformam a tristeza, em leveza a amor.
Cada máscara acrescida tem um nome, tem um jeito de brilhar...
E a primeira nunca some, ela sempre esteve lá.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Coletânea



Eu sou poeta até em noites sem momento, que se dormem ao sonhar
E abstraindo da loucura que invade o pensamento, eu olho para o céu e vejo o mar.
Eu fui poeta sob um céu deveras esquecido, rodopiando pela imensidão sem fim
Era como se nada tivesse acontecido, o mundo todo chorou dentro de mim.
Eu fui poeta mesmo sem saber amar,mesmo no tempo em que o passado se esqueceu
E precisava descobrir se era água ou ar,ainda que diante do luar só houvesse breu.
Eu sou poeta como solução do risco, e arrisco sempre olhar
O sol se pôr na velha foto e na televisão como se fosse um disco, um disco sempre a rodar.
Sou poeta sem falar, quando sinto calafrios
Quando quero divagar dentro de salões vazios.
Serei poeta para sempre,como ninguém o faria, com intuito de afastar
Toda a monotonia, toda noite, todo dia, qual mais um trovador pelo ar.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Momento de olhar nos olhos, momento de ouvir Seu nome.



O significado varia, mas a data é constante
Porque todos se unem no dia, resumindo todo um ano em instante
Uns se enxergam como fossem família, pois assim a vida os uniu
Outros gritam em prol da alegria, e celebram o nascimento daquele
Cuja vida se firma em abril.
Há aqueles que ficam sozinhos, esperando por quem há de vir
E há outros, com mães e padrinhos, que desejam somente sumir.
Seja festa, jantar, seja sonho, seja ceia
Seja em rua, em bar, seja em residência alheia
Quando as luzes se acendem e os ponteiros se alinham
Todos gritam, sorriem, todos trocam, se aninham,
Num natal de repente, num sorrir de momento
Para logo em seguida se prostrarem ao vento.
O natal logo acaba, como um cessar de voz
E sobre poucos desaba o nome daquele, que no momento exato
Deu sua vida, seu maior presente, por nós.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O dono de si só pertence à lua...



Mártir através das noites, caçador dos ventos, temerosos ventos
Das relvas frias, das horas tão vazias, que nem mesmo o dia poderia enxergar
Pois a dança cujas patas articulam nesses solos, argilosos solos
É tão bela, simplesmente tão singela, é repleta da cautela que nenhum consegue copiar.
Filho pródigo da natureza, formador dos bandos, numerosos bandos
De sua raça, de seu grupo sempre em massa, expressando toda a graça que seu corpo admite esbanjar.
Melancólico ao luar, descritor dos sentimentos, pesarosos sentimentos
Que expõem à luz da lua sua alma nua, crua, ecoando em toda rua seu uivo cortante, em um choro de gelar.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Fócus- Poucus!




Materializando o que transforma as vertigens em virtude,
A magia de um momento em branco em quietude
Mãos vazias em cartas cheias amiúde
...Quem ajude?!

Brilha sempre no trovão mais lampejante
Poderoso,transmorfo,levitante
E sumindo na cartola num instante
...Ultrajante?!

Coreógrafo mais louco, de condão e purpurina
Lá converte um palhaço em bailarina
E se a sua serra parte ao meio essa menina
Ninguém culpa, o contrato ela mesma assina
...Mas é sina?!

Teu mistério é que transcende o picadeiro
Ao fazer de meio lenço um pombo inteiro
Cria sonhos, cria cor, e gosto, e cheiro
E estalando os dedos, some em meio ao nevoeiro
...Feiticeiro?!

Da cartola o coelho grita
Da poltrona a criança agita
E se espanta, quanta luz bonita
Mas, no fundo, como sempre, ela cogita
...Será que acredita?????????????????

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O "eu" "nosso" de cada dia "nos" dai hoje...




Já fantasiei histórias antigas
E sonhei com pessoas demais
Já chamei as flores de amigas
E tomei como exemplo meus pais.
Arranhei o fundo do prato, em momentos de angústia e terror
Estraguei o pé do sapato com formas e ausência de cor.

Eu já fui verdadeiro, eu também já menti
Muitas vezes eu fui corpo inteiro, tantas outras eu já me parti
Procurei num instante certeiro as mulheres que um dia senti.

Arranquei do fundo do peito momentos de mais alta dor
Muitas vezes, deitado no leito, fiz questão de sofrer por amor,
E tentei, como que insatisfeito, reviver os momentos de ardor
Os abraços, os beijos sem jeito, fosse sempre na moça que for.

Já criei muitas formas de vida
E tentei, ante mim, ser um só
Mas no palco descubro, sou muitos
Sou quem quero ser... Caso não, eu sou pó.

sábado, 14 de novembro de 2009

Apuração





Era um garoto que andava sozinho
Enquanto o mundo aumentava, ele ia diminuindo,
Por mais que o tempo passasse, não conseguia ver
E por mais que acompanhasse, e por mais que ele tentasse
Não conseguiria, não podia crer

De sua vida, quase nada importava
Quase tudo fantasia, coisas vis que sonhava
Um instante era tudo o que precisava ter
Para fazer de um sonho mudo, sem momento, sem estudo
A sua maior razão de viver


Ele sonhava em um dia se casar
Rosa, grinalda, subir no altar
A Deus rezava, para lhe entregar
Moça prendada a quem pudesse amar.

Já era um homem e sequer percebia
Que da vida não se leva, não se enxerga, se cria
E assim, como um garoto, só fazia esperar
Que seu mundo, seu romance, estivesse a seu alcance
Sem um dedo precisar nem levantar

Anos passavam a idade aumentando
Mas a mente reduzia, como que compensando
Sua falta de euforia, de harmonia, prazer
Era só monotonia, toda noite, todo dia
Dava dor, até desgosto de ver


De sua morte ninguém saberia
De sua vida não se escreveria
Pois afinal, que graça haveria
Na vida de um homem que diminuía.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Quando a vida não se leva




Deixa, como deixo tudo que passou um dia
Como queixo muito do que não podia
Como mexo em tudo do que não queria.
Deixa, deixa tudo um dia contornar, correr
Tudo o que antes não era, deixa hoje ser
Deixa a noite pelo menos nessa noite ser amanhecer.
Grita, grita pelo sentimento que hoje se calou
Pela tarde de momentos, que acho, já passou
Quebra o clima de silêncio que hoje se instalou.
Fica,como fico pelas noites, só
Como autisto quando o peito faz um nó
Como agito ao perceber que somos pó.

Deita hoje, chora agora, fecha os olhos logo,
Que a vida não se leva enquanto não se rega a agonia
Aumenta essa fogueira cuja dor é que alimenta o fogo,
Sofre logo tudo hoje, amanhã é outro dia.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Choro dos vivos



Tu, que perdeste teu canto
Sozinho num choro, e choras a morte de alguém
Não, não te esqueças do mundo
Por pior que seja, alguém chora por ti também
Tu, que és mãe de crianças
Jogadas ao fogo, e achas que tudo acabou
A dor é grande e notável
Mas não é só tua, a dor toda o mundo escutou
A dor de tantas famílias perdidas no mundo
E de quem ninguém se lembrou,
Hoje são todas lembradas, com mão afagadas
Mesmo que não apague a dor.
Tu que és mulher de teu homem
Queimado de noite, não chora com dor de sem-fim
Chora, porém, com certeza
Que alguém também chora, mesmo que por dentro assim.
O mundo se perde um pouco, se enrola num jogo
E duvida que haja amor,
Pensamento inevitável, porém tão instável
O mundo todo chora dentro de mim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Onda menina




Como a onda do mar que se joga sozinha, sem medo da noite que possa chegar

Como o mundo que gira em torno da linha que cruza as estrelas a serpentear

E um fechar de olhos transmite do sonho o que não poderia se arrancar

É o sonho que ecoa no meio da noite quando a onda na areia se esparramar.


Alma limpa, de história, fruta doce do pomar
Um poema de glória, cujos versos a rimar
Um croqui de amor, de um trovador pelo ar

Trovador pelo ar, como a onda do mar, ecoando ao sonhar
Como o ouro do anel que contorna seu véu, orbitando no céu como carretel
Uma onda no mar, um momento de andar, um sorriso, um olhar caminhando ao luar
Em um brilho maior, inundado em frescor, um perfume de flor, ser alguém de valor
Uma onda que encharca o caminho de casa, um cheiro que marca mais que ferro em brasa
Uma estrela a brilhar,
Um croqui de amor, de um trovador a andar.



Como o vento que sopra sem medo da sina que vira a esquina sem nem se esquivar.

Fez a bela história da onda menina, menina guerreira a se levantar

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Arte-Retrato




Fiz da arte minha vida
E da vida uma ocupação,
Fiz do mundo a orqüestra regida
Pelas notas da minha canção.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mar das verdades


Eu olho para o céu e vejo o mar...

Afinal quem foi que me disse que o mar é o que está lá

A ondular atrás da areia, a correr e então voltar?

Quem foi que disse o que é o dia, agrupou as constelações?

E afinal quem é que um dia ensinou às gerações

Que a chuva cai do céu e vai molhar as plantações...

Afinal quem deu nomes às nossas emoções?

Quem deu nome à natureza, ao sol, aos raios e trovões?

Quem inventou o tempo certo, dividiu as estações

E afinal quem foi que disse o que há nos corações?

E a verdade, quem souber, não espalhe às nações...

Eu olho para frente e vejo o mar...

Afinal quem foi que me disse que o mar é o que está lá

A ondular atrás da areia, a correr e então voltar?

Quem disse, pouco importa, eu só quero estar por lá...

Eu olho para frente, está lá

E a verdade pouco importa, não precisam me explicar...

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(Esse é o favorito dos meus amigos)



sábado, 10 de outubro de 2009

Poente Sonhado


Há quem diga que não há mil maneiras de mudar
Quem afirme não conseguir enxergar na penumbra
Há quem diga que não pode mais andar na fadiga

Mas basta um olhar para ver que lá está
Está muito além do mar, do que possa caminhar
...Além.
Tudo ainda num relance, contornando sem alcance
O impulso de quem dance, a garoa de um romance
...Assim.

Hoje eu quero lhe mostrar como os meus olhos frios
Pareciam divagar dentro de salões vazios
Hoje eu quero lhe dizer que não canto pra esquecer
Mas apenas pra dizer
Que viver e não te ver é... Apenas se deixar levar.

Mas basta eu sonhar para logo encontrar
O seu vulto a caminhar, que descreve um sorriso,
...Então
Tudo brilha num momento, contornando o céu cinzento
Estremece o firmamento quando dança com o vento
...Aqui.

Hoje eu quero lhe mostrar como os meus olhos sãos
Pareciam se esconder através de minhas mãos
Hoje eu quero lhe dizer que o instante de te olhar
Ilumina a dimensão, mais profunda... Escondida, de meu coração.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vergonha




Que sobe no rosto, que cliva o ar

Que deixa exposto, que queima o olhar,

É tão rara, sombria, é tão clara e esguia

É o que se extinguia quando era um dia o que não parecia ser.

Que só dura um momento, que se faz corar

Que congela o tempo, que grita ao pulsar

Se faz algo, somente, se transforma em repente

É o que se transtorna quando se adorna o véu que se torna vermelho ao crescer.

Que tange a boca, que nos faz calar

Faz da mente pouca, do piscar luar

É tão triste e fria, tantas vezes tardia

É a sôfrega agonia, que mais dia menos dia vem a poucos, ou a muitos envolver.

domingo, 13 de setembro de 2009

"...Sim"


Ela foi o brilho que meus olhos jamais tiveram. Quando a vi pela primeira vez, seus cabelos eram longos, caíam muito abaixo das costas. Era noite, estava tudo meio fosco e, mesmo assim, eu não podia acreditar no que meus olhos viam. Depois daquela noite, o medo que tive de não vê-la mais desapareceu quando a resposta ao meu primeiro convite foi um "sim". E, eu simplesmente não conseguia entender o que meu coração tanto pulsava a cada passo trocado, cada palavra proferida. Eu tinha o mundo nas mãos, e a alegria dentro de mim. Certa manhã combinamos um café. Era um dia ensolarado, um pouquinho frio, mas muito brilhante. Foi quando nos sentamos em um banco sob uma árvore. Os raios de sol invadiam as brechas entre as folhas, dourando seu rosto e seus cabelos, e eu só pensava em quanto não queria morrer naquele momento. Foi nosso primeiro beijo, e eu o guardo com a maior ternura dentro do peito. Desde então, comecei a conhecer o mundo de forma diferente, o perfume de forma mais profunda, comecei a entender que poesia não existe somente quando escrevemos. Descobri que em um beijo íntimo, podemos trocar palavras, como se pensamentos fossem trocados no instante em que os olhos se fecham e os corpos se tocam. Tínhamos um gosto em comum: Oswaldo Montenegro. Fui paciente, esperei Oswaldo marcar seu show em Curitiba, e quando isso aconteceu, comprei um par simples de alianças de prata. Coisa um pouco clichê hoje em dia, mas sempre achei bonito. Esperei até a noite do show, guardando aquela caixa somente para mim. Foi na noite do show que conversei com Oswaldo e o levei para apresentar a ela... Deus, como foi uma coincidência bela. Depois daquele acontecido, eu entreguei a ela a chave de meu coração, e lhe disse: estou entregando a você meu coração, só precisa responder se não ou se sim. Ela nada disse, beijou-me com a mesma intensidade de outras vezes, e depois sussurrou em minha orelha... Um "sim" tão baixinho que somente eu pude ouvir, mas que meu coração sentiu como fosse um estrondo de intensidade máxima. Digo até hoje, quando lembro do show que se seguiu, e do quanto chorei naquele dia, que foi a noite mais perfeita de minha vida. Desde então, eu nunca deixei de demonstrar o quanto estava disposto a fazer de tudo por ela. Mas o tempo sempre passa, e nem todos mudam da mesma forma. Vi seus cabelos serem cortados à altura dos ombros, vi sua pessoa ir se moldando aos poucos. E aos poucos, o que fazia passou a se tornar insuficiente para alimentar os desejos dela, ou os sonhos dela. Não importa quantas músicas você componha, ou quantas vezes ressalte que ama alguém. Quando uma pessoa passa a não conseguir mais dizer "eu também amo você", o destino já está traçado: o fim.
Foram dez meses com a auréola prateada em meu anelar, e desde então, em todos os meses que se seguiram eu me pergunto como fui perdê-la. O brilho que meus olhos jamais tiveram, a pessoa que mais amei em minha existência.
Às vezes, quando estou acordado de noite, ainda consigo enxergar seus olhos me observando, com aquela timidez lá da primeira noite, com a inocência dos primeiros meses. E, no momento em que meu coração se acelera, uma torrente de lembranças traz o V, o A, o N, o I, e o A que escreviam seu nome.
No instante em que fecho meus olhos, em qualquer momento, inclusive aqui, escrevendo isso, consigo escutar, bem baixinho em minhas orelhas, uma palavra que somente eu consegui ouvir, mas que reverbera sempre que meus olhos se fecham: "sim".
Sim... Vânia foi o meu único amor verdadeiro.

sábado, 5 de setembro de 2009

(O Mar de Garoa)



Perguntei-me o que é ilha... "Qualquer coisa que se desprender de qualquer continente". Ilhas são nossas vidas, nossos gostos, nossos gestos, tudo jogado ao vento da sorte e ao mar do acaso. O que fazemos com o pacote imenso que carregamos em nossas costas, muitas vezes como um fardo, não é como costumamos dizer "problema nosso". Acima disso, não são problemas, são escolhas. Uma lembrança bem guardada não é um problema; uma situação ruim bem-aceita não é uma tristeza. O conjunto de todas as vertentes que nos induzem a ser quem somos não é "problema nosso", é "escolha nossa". E, dessa forma, nos tornamos ilhas escolhendo em que mar navegamos.
Cada um cria seu mar, cada um se insere em um meio. E flutuam ou afundam, nadam ou se afogam. Seu mar é seu melhor amigo, mas seu maior desafio.
Mar de Garoa surgiu, e com ele cada palavra que de meus dedos se criam sobre essas teclas. Mudar do papel foi um desafio, e criar o conceito que me fez mergulhar de cabeça na idéia de um oceano assim, minha maior alegria.
Não se trata de quantas pessoas visitam o meu site, ou quantas deixam comentários a cada postagem nova... O Mar de Garoa é, antes de mais nada, o mar que escolhi criar. Minhas lembranças ficam guardadas aqui, sejam boas ou ruins. Meus sonhos ficam boiando por aqui, esperando o momento certo para se realizarem. "Navegar é preciso", antes de mais ninguém , para mim mesmo. Deixar uma postagem nova aqui representa se deixar guiar pelas águas que escolhi criar... Um mar de águas doces, gerado pelo suave cair das gotas de uma garoa. Em tais momentos, as águas são calmas, cristalinas, e as ondas são somente marolas. Eventualmente, tribulações acontecem, e uma tempestade agita o repouso em que meu mar se encontra, mas tudo sempre se ajeita voltando à garoa.
Navego no dia hoje sem poesia por aqui... Sem esforço em tornar as palavras mais bem-empregadas e estetizadas. É mais uma espécie de "esclarecimento" às pessoas que, eventualmente, passem por aqui para navegar uma vez ou outra, mesmo que essas pessoas não sejam em grande número.
É sempre um prazer recebê-los, poder saber que esse Mar, por mais que criação minha, é de quem quiser nele mergulhar. Os comentários são para tal, para que as palavras se mesclem por aqui e se façam entender, da forma mais profunda e saborosa.

"Palavras jogadas ao mar"... Quem disse que é perda de tempo, afinal?!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Passa-tempo



Em silêncio, no seu quarto, ele ajeitava com cuidado as peças para que não caíssem. Um trabalho paciente, exigente, e caprichoso. Calculava milimetricamente a distância entre a peça que colocava e a anterior, sem se esquecer da que viria depois. Lá fora, a chuva caía silenciosa, sem força ou barulho incômodo qualquer... Uma simples queda d´água decorrente do acaso.

Garoa. Há tempos o céu não fazia garoar assim, eram somente as infinitas tempestades. Faltavam apenas três peças... As oito caixas de dominós que havia comprado encontravam-se sobre a poltrona, vazias, e, partindo do pé esquerdo da cama, uma fileira de peças brancas serpenteava quase todo o quarto, fazendo curvas bruscas à direita aqui, ângulos retos ali, algumas vezes rasante a algum móvel ou objeto que encontrava-se por perto. Colocadas as últimas três, cautelosamente esgueirou-se por dentre a muralha que construiu, os calcanhares grudados aos rodapés nas paredes, a evitar qualquer tropeço. Chegando à cama, rapidamente subiu sobre o colchão, e, sem se sentar, observou lá embaixo o que lhe pareceu uma enorme multidão trajando branco e preto, como que em fila esperando algum fenômeno incrível. A garoa caía.

Tomara todas as providências. Observou a primeira peça, logo ao lado de seu leito. A leve linha preta que a cortava dividia duas metades: A de cima em branco, a de baixo com um único círculo negro. A peça seguinte possuía apenas um círculo na metade superior, e, inferiormente, dois círculos lado a lado, e notava-se que tal progressão se seguia em ordem crescente, até se observarem cinco círculos negros superiormente e seis inferiormente. Após isso, a seqüência recomeçava em uma peça idêntica à que encontrava-se ao lado do pé da cama.

De 1 a 6... O mesmo número de suas lembranças. Fechou os olhos.

-A primeira: 'O pingente prateado que deu de presente... A noite fria, mas agradável. Então, ela: Os cabelos castanhos, quase negros; Os olhos verdes embalados no leve cheiro de piscina, como se ela tivesse acabado de sair de uma. A peça de teatro, a Igreja em festa! A Igreja escura, os olhos fechados... O primeio "primeiro beijo" '... A garoa caía.

-A segunda: ' A carta mandada, a carta recebida... A manhã fria, mas agradável. Então, ela: Os cabelos castanhos, quase loiros, caindo às coxas; Os olhos escuros, embalados no forte cheiro de café, que haviam acabado de tomar. A calçada vazia, o banco ao sol! O vento dourado, os olhos fechados... O segundo "primeiro beijo" '... A garoa caía.

- A terceira: ' A rua em comum, os ônibus em comum... As tardes quentes, mas agradáveis. Então, ela: Os cabelos loiros, sempre presos; os olhos negros, embalados no fino cheiro de perfume, insistente e permanente. A praça vazia, os balanços dançando. A areia fria, os olhos fechados... O terceiro "primeiro beijo" '... A garoa caía.
- A quarta: ' A corrida cotidiana, os olhares discretos... As manhãs quentes, mas agradáveis. Então, ela: Os cabelos castanhos, bastante curtos; Os olhos claros, cor de verniz, embalados no palpável cheiro de batom, rímel e base. A sala vazia, a música baixa. Os brilhos contínuos, os olhos fechados... O "quarto" primeiro beijo... A garoa caía.
- A quinta: ' As conversas gigantes, as músicas trocadas... As tardes frias, mas agradáveis. Então, ela: Os cabelos castanhos, cor de mel, Os olhos azuis, reflexo do mar, embalados no rico cheiro de Deus. Os choros sinceros, as promessas lançadas. A vida ao alto, a proposta de tudo, banhada às águas do nada. A mudança de rumo, o abrupto adeus. A cabeça confusa, os olhos fechados... Sem sequer um "primeiro beijo"... A garoa caía.
-A sexta, e mais forte lembrança: ' Conseqüência das outras, mais sentimento que lembrança... Os dias frios, desagradáveis. Então, ela: A dor no peito, a angústia permanente, a náusea que tomava seus sentidos. O medo de escuro, o terror do incerto. A cabeça baixa, os olhos fechados... A primeira lembrança... A garoa caía.
... Abriu os olhos, assustado. Deveriam ter se passado apenas alguns segundos. As peças de dominó permaneciam lá, em fila. A mesma seqüência se repetia: Do 1 ao 6, várias vezes. Como em sua cabeça... A grande serpente/muralha, vista da cama, parecia forte e imponente, familiar.
Olhou pela janela... Gotículas condensadas acariciavam o vidro embaçado, turvando a visão para o lado de fora. Vagarosamente, estendeu seu indicador, e com um impulso rápido, atingiu a primeira peça, ao lado da cama.
A garoa cessara.

sábado, 15 de agosto de 2009

Conforto


Intenso calor que irradia
E do corpo quente flui ao frio
Não alegra nos momentos de tristeza
Muito menos configura a maldade na beleza
Mas é algo que, no fim do dia
Adormece um coração vazio.
Sentimento amórfico, diria
Ou quem sabe uma definição vil
Que se porta como meio de transporte
Conseguindo dar calor à morte
Pois o medo de dormir sacia
Adiando o próximo nascer sombrio.
Como um corpo inerte em desvalia
Ele é o dono do viver doentio
Enganando-se de forma convincente
Refletindo a sombra do contente
Em um ato de dramaturgia
Acendendo a ponta do pavio.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Reflexo de janela


Eu sou a sombra que se posta à esquerda,
Não me canso dos gestos, não julgo o que é certo
Não me busco em mim, renuncio os momentos ...
Sou o grito que se emposta à frente, gelando a boca,
Reverso a passos, sou o tempo de uma mente louca
Esse mesmo, que se prende quando a brisa sopra.
Não peço carona, não meço meus passos
À direita eu me chamo luz, e de vento me refrato
Cobrindo fossas tênues entre luz e espaço.
Articulo finas danças sobre gelo grosso,
Paralelo ao momento em que sinto gosto do incerto, outra vez
Sou poeira no momento em que percebo...
Baixo os olhos, a vergonha já me impede de encarar
Esses olhos tão vazios que se projetam na parede externa...

domingo, 11 de janeiro de 2009

Um copo de sorriso...


Respiro os olhos dos que estão em volta
E me sorvo de sorrisos, eu inspiro suas setas
Enxergo o mundo por meus passos, afasto a névoa envolta
Dura pouco, mas há sempre fundos que distinguem minhas retas
Eles falam de verdades, mas de forma tanto bruta
Que até a luz do dia me parece muito incerta.
São sorrisos à minha volta, mas já a mente executa
O que há dentro de tão seca e dolorosa fruta:
De imagens tenebrosas aos sons mais estranhos
Dura apenas um segundo, e os estragos são tamanhos...
Mas tão logo como chegam, eu inspiro uma guinada
De sorrisos, ainda mesmo que estranhos
E me afasto dos momentos que enuviam essa relva tão dourada.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Essência


As incertezas são internas
E as luzes são claras.
A essência é a mesma, seja a forma qual for
Ela é incerta, mas é luminosa
Uma melodia que se espalha
Com o dom de deslizar suave e de tal maneira
Que não haveria certeza mais perfeita.
A luz da essência é sempre acompanhada pelo vento
Um momento de divindade que invade os corpos
Um instante vagaroso e singelo
Quando os olhos se fecham
E, seja de vida, aroma, som, ou gosto
A forma essencial é tomada.