segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Banco velho, "banco" um novo

Bom, companheiro, eu vim aqui pra lhe falar
Das palavras tranqüilas que esqueci de pronunciar
E nas noites mais frias quando o chá descia minha garganta
Eu calava minha face com a velha e morna manta
Ah, companheiro, se eu pudesse lhe explicar
Nessa vida os prazeres nunca deram por faltar
Tantas tardes de baralho sobre a mesa de bilhar
Mas minha realidade anseiava atravessar.
E de tal maneira como um grito que se tem que segurar
A vertigem e o tédio começavam a vibrar.
Meu companheiro, por favor tente entender
Não se trata de vergonha, pressa, horror ou sofrimento
E tão logo como o copo que esvazio no momento
Me cobri de couro e lã, me coloquei em movimento.
Saí num dia frio, às cinco da manhã
Um cachecol em meu pescoço, um cigarro em minha mão
Na mente a ingênua e promissora idéia do amanhã
A utopia da perfeita venerável solidão.
Mas, companheiro, me permita lhe dizer
Eu nem mesmo desejava e me esforçava em parecer
Decidido ou confiante, não tentava entender
Os meus olhos me guiavam e bastava obedecer.
Decidi de me atrasar, os horários podiam esperar
Eu não tinha compromisso, eu não tinha a que faltar
Eu não tinha nenhum vício a tentar me segurar.
Tratei calma e vagarosamente então de me sentar
Naquele velho banco que estou a lhe apontar.
Senti o vento frio a me alisar
E o cheiro de meu corpo começou a me agradar.
É estranho, companheiro, você pode até chamar
De loucura, narcisismo, eu lá a me admirar
Companheiro, a verdade é que os dias passavam
E os rostos à minha frente meus olhos assimilavam
E de dias, foram meses e anos se transformavam
Tantos rostos à minha frente, minha imagem ofuscavam.
Me lembrei do gosto amargo do café que eu bebia
Recordei do cheiro fraco dos jornais que recebia
Encontrei naquele espaço velhos versos que escrevia
E naquela solidão eu me invadia de alegria.
Veja só, meu companheiro, foram dias sendo assim
Eu sozinho descobria um pouco mais, e mais de mim
Ao sentar naquele banco, companheiro,
Não havia cor, nem gosto ou cheiro
Que espantasse de meus sonhos o que era verdadeiro.
E a verdade, eu lhe digo, pode sim se ser feliz
Quando se está sozinho, e foi o que eu fiz.
Mas se pensa, companheiro, que a história acaba aqui
Ficará desapontado ao constatar que cá estou
Não se apresse em ir embora por aquela porta ali
Eu prometo, serei breve em contar o que passou.
Comecei a me esquecer do que me levara então
Àquele banco escondido e longe da multidão
O meu cheiro, companheiro, começou a parecer
Muito fraco, tão mais que o dos jornais que costumava ler
Não havia mais café, a alegria me sumia
Procurava velhos versos e porém não conseguia
Eu sozinho ali no banco, nem de longe eu sorria
Nem no velho e bom cigarro enxergava alegria.
Companheiro, eu lhe digo, não estou desesperado
Eu falo tranqülamente, eu não sou precipitado
Acontece, companheiro, que ao estar ali sentado
Tentava me esquecer do que fora meu passado.
Pareço agora, então, um tolo envergonhado
Companheiro, ouça bem, hoje sou desenganado.
Bom, companheiro, estou aqui pra lhe falar
Que ser só é necessário, mas não pode se durar
Ao largar qualquer amigo, amor, família ou vício
Eu me vi alegre, forte, mas foi somente no início.
Olhe bem à face deste que fez de ser só, um ofício
Ser sozinho nos limita, ser sozinho é um sacrifício
Então, companheiro, trate logo de correr
Atravesse agora mesmo o corredor até os ver.
Companheiro, apague logo o cigarro no cinzeiro
Ah, corre logo, ainda há tempo de encontrar qualquer parceiro
E se for tão sufocante a idéia de um abraço
Basta então olhar nos olhos e começar: "Bom, companheiro..."

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Calendário




Mudança de ser, e quem sabe
O crescer de uma mesma criança
Quem não nasce não vê e não sabe
Que o poder de quem tem não alcança
Mudança de estar, de pensar
E, tão logo, de correr no colchão
Só pensar não garante
Só estar não suporta
Só correr não basta.
Tão somente, um de certo, um porém
Um só ser que se senta
Pára, julga-se alguém
Não sorri e nem mesmo sustenta.
Tempo passa, o passar não mantém
E se deita, e quem era alguém ontem
Hoje não é mais ninguém.