terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Vícios no espelho

Pegou-se, pela primeira vez , divagando. Olhava a vitrine como que hipnotizado... Abriu lentamente o pacote de batatas fritas, encostando a orelha direita no plástico. Sempre fazia aquilo, gostava de imaginar que cada batata se jogava ao fundo do pacote, aos gritos, tentando fugir.
Chovia. Não uma tempestade de verão, mas uma leve garoa. Virou-se para a direita e notou o ébrio caído no chão, dormindo ou desmaiado, não soube dizer. As roupas um tanto surradas, agora com pequeninas marcas escurecidas causadas pelas gotas de chuva que nela se instalavam.
Logo perdeu o interesse. Era sempre assim, nada prendia sua atenção por muito tempo. Mas aquela vitrine, certamente havia algo lá que fugia à regra. Havia sido uma manhã costumeira. Calçou as Havaianas ao sair da cama e dirigiu-se à cozinha, pisando o chão com o pé todo, mas ao findar de um passo, levantando somente o calcanhar, fazendo o chinelo estalar na sola so pé. Achava divertido... Tomou uma enorme caneca d'água (café não lhe fazia bem), e deslocou-se à porta, sem mais preocupar-se com o som que seus pés faziam.
Dividia-se o seu dia em momentos fáceis e difíceis. Os fáceis, considerava ele, o acordar e o dormir. O passar o dia, contudo, era uma tortura. Ficava na mesma rua, voltada para a praça. Lá, passava as manhãs e as tardes sentado sobre uma pequena pedra ao lado de um banco. Observava em silêncio o movimento, analisava friamente as pessoas, buscava algo em que seus olhos pudessem se prender por mais de cinco segundos. Quando chegava o fim da tarde, dirigia-se à sua casa, sem ter encontrado nada digno de atenção.
Sob aquela suave garoa, porém, não tirava os olhos da vitrine. Não entendia o motivo. Virou-se novamente para os lados, fixando os olhos em um cachorro que vinha mancando pela praça. O cachorro deitou-se sobre aquela pedra onde ele mesmo estava sentado vinte minutos atrás.
Jogou mais uma batata em sua boca. Tentou imaginá-la gritando, pedindo clemência. Novamente olhou para a vitrine. Em qualquer dia anterior, não havia chamado muita atenção. Sequer lembrava o que o vidro abrigava outrora. Naquele dia, para sua surpresa, fixou-se no objeto. Cinco segundos, dez segundos, dez minutos, vinte minutos. Pegou-se divagando. Lembrando tantas coisas. Desde que dia sua vida passou a se resumir a uma rotina viciosa? Pegou-se divagando, procurando a resposta.

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Era tarde. Mais tarde do que de costume. Não fosse o sono, teria permanecido lá por mais algum tempo. Quando desviou os olhos da vitrine e virou-se, caminhou em direção a sua casa, esforçando-se em não olhar oara trás. Não se conteve, deu uma última olhada, sem parar de andar. O homem olhou para ele também, sem parar de andar, imitando todos os seus gestos.

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É, no mínimo, impactante olhar para o passado. Em 2005 já havia avistado vícios n espelho... Não penso da mesma forma, mas vale a lembrança...

Ao tentar ser eu mesmo,
Tentava avançar sobre certas barreiras.E ao mesmo tempo,
Tentava criar minhas próprias leis.
Tentava fugir de coisas que me aterrorizavam,
Tentava fugir do que não me aterrorizava,
Tentava fugir do que não existia.
Tentava buscar o que todos buscam
Tentava encontrar o que ninguém encontrara.
Tentava passar despercebido,
Tentava perceber o óbvio
Tentava clarear o abismo dentro de mim
Tentava escurecer o que tinha medo de descobrir.
Tentava perceber que a vida não é feita de ilusões,
Tentava criá-las para fazer o tempo passar mais rápido.
Tentava aconselhar com o que me haviam ensinado,
Tentava ao mesmo tempo, desviar-me destes conselhos.
Tentava esquecer o que realmente me fazia feliz,
Tentava buscar novas felicidades no inexistente
Tentava abrir os olhos de quem tinha uma chance,
Tentava encontrar uma chance perdida no caminho.
Tentava gritar minha dor para o mundo inteiro,
Tentava abafar os gritos do resto do mundo.
Tentava fazer dormir os que há muito vagavam sem rumo
Tentava fazer acordar os que há muito dormiam sem sonhos,
Tentava dormir para poder sonhar
Tentava acordar para não ter mais que dormir.
Tentava fechar meus olhos e imaginar,
Tentava imaginar-me de olhos abertos.
Tentava erguer a cabeça e andar em frente
Tentava retroceder, com medo dos obstáculos,
Tentava criá-los para afastar o que temia
Tentava ao mesmo tempo, não temê-los.
Tentava ser indiscreto para chamar mais atenção,
Tentava não me arrepender, e voltava à discrição.
Tentava filmar as brincadeiras da minha infância,
Tentava lembrar-me como me sentia em tais brincadeiras.
Tentava encontrar a minha razão,
Tentava não me perder mais do que já estava,
Porque ao tentar ser eu mesmo,
Acabei esquecendo de quem eu era.

Um comentário:

Sarah disse...

Conforme fui lendo, um sorriso foi se abrindo no meu rosto haha nao sei explicar direito

Me identifiquei muito e me prendi ao texto, querendo prestar muita atençao em cada frase, mas ao mesmo tempo ansiosa para chegar ao fim, afinal era como se os pensamentos estivessem saindo da minha cabeça antes mesmo de eu ter "colocado" eles em palavras (se é que me entende, acho que nao fui muito clara haha)

Gostei muito! achei legal como descreveu o pensamento do eu lírico, se distraindo com coisas bobas, mas sem deixar de ter um foco no pensamento.. como se houvessem dois pensamentos ao mesmo tempo, faço muito disso, um pouco demais até haha voce sabe, né? ;)

mais um texto adicionado para nossa conversa haha
voce ainda me deve o anterior ;)
to adorando ler seu blog! de verdade mesmo!
voce escreve muito bem, meu anjo, mais um item para sua lista de talentos haha
vai me ajudar com redações esse ano se eu pedir? haha
amo voce!