sábado, 27 de agosto de 2011

Uma noite qualquer



Enquanto a dança se prolonga noite afora
E os suores se misturam à desgraça
Lá no escuro de algum bar sem hora,
Um estranho se debruça em doses de cachaça.
Ele ri, chora, alucina em solidão
Seu casaco exala seu perfume amargo
Ele limpa a boca com seu punho largo
Balbucia coisas, como "fé" e "perdão".
Muito alheio aos risos e à natureza
Ele grita com angústia e dor
"Foi aqui, bem nessa mesma mesa
Que ganhei o meu primeiro amor".
As pessoas, ébrias, mal o escutam
Ele não se importa, passa a levantar
Os garçons, possessos, para fora o chutam
E sobre a calçada, põe-se a soluçar.
Gotas leves do céu se projetam
O seu corpo treme, mas sem protestar
Gente passa, alguns objetam
Mas ninguém socorre o estranho ali, a chorar.
O estranho fala, com a voz cansada
De sua boca exala o cheiro de licor
"Foi aqui, bem sobre essa calçada
Que beijei o meu primeiro amor".
Se aproxima um senhor com pressa
Distraído, fala ao celular
Sobre o vulto do estranho tropeça
E, com raiva, passa a reclamar
Levantando sua voz bem alto
Ele empurra o estranho a um velho banco
Dá-lhe as costas, vira-se ao asfalto
E atravessa a rua, agora manco.
Sobre o banco, o estranho deita
Olhos baixos, parece dormir
Mas tão logo a coluna endireita
Olha o banco e passa a sorrir
E batendo-se, num solavanco
Grita a todos que se encontram ao redor
"Foi aqui, bem nesse exato banco
Que conheci o meu primeiro amor".
Uma moça escuta, e se atormenta
Com a confissão noturna, inesperada
Aproxima-se com calma e senta,
E pergunta-lhe, bastante interessada:
"Meu bom moço, por que grita em madrugada
Se está tão preenchido internamente de paixão?
Não seria mais prudente achar sua amada
E contar-lhe os sonhos de seu coração?"
O estranho a olha, penetrante
E em seus braços cai, sem rir e sem chorar
Fala em suas orelhas, com a voz cortante
Em um tom sem vida, um timbre de gelar
"Minha cara dama, posso lhe contar
Sobre tudo dela, da beleza à cor
De nossa paixão, dos planos, planos de casar
Todo o sentimento, todo seu valor
Mas a vida fez-me uma grande ferida
Faz-me rir, chorar, gritar e sentir dor
Foi na crueldade dessa mesma vida
Que morreu o meu primeiro amor".
O estranho logo se levanta, quieto
Vira-se, e se afasta sem olhar
A moça, num momento incondicional de afeto
Não o segue, deixa-o se afastar.

Um comentário:

Sarah disse...

eu nem sei nem direito porque, mas esse é um dos meus favoritos (: